Querido Uri,
Estou com um problema. Meu
namorado é muito arcaico, assim, ele era hétero até os 22 anos, teve namorada a
vida toda. Hoje ele tem 25, tem dois anos que a gente namora, mas pra mim esta
sendo muito difícil. Eu amo ele muito, mas sempre tenho a impressão que ele me
considera uma bichinha qualquer. Reclama de meu gosto musical, não suporta
lugares gays , não gosta de meus amigos,
fica dizendo que eles são umas putas. Não quero terminar, o que fazer?
Anônimo 357.
Anônimo queridão,
Um problema e tanto que você tem
nas mãos. Imagine que para um casal hétero já é difícil se manter junto e
superar as diferenças culturais, familiares e toda uma existência, uma bagagem
de vida que eles trazem para a relação quando começam a namorar. No seu caso a
diferença ainda tem que passar pelo viés do preconceito sexual internalizado.
Que bicho é esse? Adriana Nunan, doutora em psicologia (http://www.adriananunan.com/), e autora
do livro Homossexualidade: do preconceito as relações de consumo, vem nos dizer
resumidamente que uma vez que nascemos e somos socializados por um viés
heteronormativo, mesmo que tenhamos uma orientação sexual diversa da hétero
ainda assim seremos preconceituosos, inclusive com relação a própria
sexualidade. Em termos leigos é a expressão da não aceitação da própria
sexualidade. No Brasil isso é claro. Os seguimentos LGBT não se unem. Em outro
texto eu falei sobre isso. Os grupos que se excluem. Os cross-dressers que não
aceitam os travestis, os gays que não aceitam as lesbicas, etc. Na periferia
das grandes cidades é fácil encontrar garotos que fazem sexo com outros homens
e que se intitulam heterossexuais por adotarem a posição ativa na relação
sexual. Estes são alguns exemplos do preconceito sexual internalizado. Seu
namorado, infelizmente, tem um grau acentuado desse tipo de preconceito. Muito
provavelmente em virtude de ter experienciado a maior parte da vida dele como hétero.
E Le foi formatado para criticar as posturas mais femininas, treinado a
considerar qualquer gay como promiscuo, a não gostar dos ambientes GLS etc.
Por outro lado, isso deve causar
grande sofrimento para ele também. Não se aceitar, não ter um sentimento de
pertencimento grupal é muito ruim para a subjetividade e para saúde psíquica de
uma pessoa, afinal ele foi treinado para achar errado, feio, sujo, uma
abominação (a depender da orientação religiosa dele) tudo aquilo que ele tem
vivenciado com vc. É o fato de amar outro homem, de sentir desejo pelo corpo de
outro homem que se mistura com os preconceitos dele e uma grande luta interna
se trava todos os dias. Como a cabeça da gente é muito esperta, ela usa um
mecanismo chamado identificação projetiva, ou seja, eu critico no outro as
coisas que são minhas e que eu não consigo entrar em contato por serem
dolorosas demais. Na verdade, toda vez que seu namorado tece uma critica contra
você, a seus amigos ou ainda ao meio gay, é uma critica a ele mesmo que ele
faz, sem ter consciência real disso.
O que de fato ele precisa é fazer
as pazes com ele mesmo. Sugiro a procura de um psicólogo, de preferência alguém
com experiência em sexualidade. Caso seja difícil encontrar no lugar onde você
mora vocês podem procurar o conselho regional de psicologia e pedir uma
indicação. Na terapia ele vai poder se conhecer melhor e se aceitar, o que vai
trazer mais felicidade para ele e mais saúde para a relação de vocês. Mas saiba
desde o começo que não é de uma hora para outra que as coisas vão se resolver,
vai precisar de boa vontade e empenho dele, mas tenho certeza que em nome da
relação ele pode fazer isso. Converse com ele com calma, sem acusações, diga
como você se sente, evite dizer: você faz isso ou aquilo. Comece suas frases
sempre dizendo eu me sinto de tal forma quando uma situação X acontece. Ele vai
ser mais receptivo a te ouvir e a conversa pode fluir com mais calma e
coerência.
Basicamente é isso. Qualquer
outra duvida a gente vai esclarecendo pelos comentários.
Abraço e boa sorte!
Nenhum comentário:
Postar um comentário