Síndrome de troféu
Uma das maiores consequências da modernidade é a necessidade imposta
pelo social e pela cultura de que as pessoas sejam sempre melhores, tenham um
desempenho maior, mais sucesso, mais vigor, mais dinheiro, um corpo mais
adequado, um emprego de verdade e por ai vai. As exigências são constantes e
crescem exponencialmente à medida que algumas das metas são alcançadas e logo
consideradas obsoletas.
Isso acontece, no mais das vezes, porque a cultura ocidental é muito
ligada a seu sistema de produção, o Capitalismo. Materialmente falando a
imposição do discurso capitalista é bem exemplificada nas relações de consumo
de bens relacionados a tecnologia. De processadores de computador a telefones
celulares, de carros a aparelhos de televisão o que é tido como natural normal
é que assim que algo novo surja aquilo que eu tenho não serve mais. De seis em
seis meses, de ano em ano todas as parafernálias tecnológicas, ainda que
completamente úteis e funcionais devam ser trocadas por seus sucessores mais
avançados. Se as pessoas não tem o mais novo, o dito “melhor” é quase que o
mesmo que não possuir nenhum produto ou poder de consumo.
A síndrome de troféu acontece quando se faz uma transposição do objeto
de consumo para um sujeito, um ser humano. De um lado o consumidor de outro ser
humano tem a necessidade de fazer constantes upgrades para não ficar
desatualizado. Surgem o que o Bauman vai chamar de relacionamentos líquidos,
que são marcados pela falta real de vinculo com a subjetividade, com os
sentimentos e vai se ligar pela estética, pelo estatus, pelo poder. É a plena
objetificação da pessoa com quem se relaciona. Se hoje o namorado é malhado,
barriga de tanquinho, bonitinho, simpático, basta que alguém um pouco mais
sarado, com uma barriga com um pouco menos de percentual de gordura, com mais
simpatia e influência no grupo apareça para que este namorado seja facilmente
trocado.
A consequência para esta parte da relação, o sujeito que usa, é uma
eterna busca pela perfeição do outro. Uma tirania de insatisfação e uma auto cobrança imensa para poder se provar
possuidor do melhor. Não se enganem achando que estou falando de coisas que não
existem, já tive casos clínicos deste tipo. É uma insatisfação constante com o
namorado, com o emprego, com a família, com os amigos, com o próprio corpo, com
a casa em que mora e por ai vai. Por outro lado, as relações sociais desta
pessoa ficam enfraquecidas. Por mais que ele brilhe num primeiro momento, aos
poucos as pessoas que o cercam percebem o quanto de superficialidade esta pessoa
tem, o quão raso são seus sentimentos, suas expressões reais de afeto e fica
marcante a possibilidade que existem destas pessoas do entorno serem trocadas a
qualquer momento por algo “ melhor” que apareça.
Para o sujeito usado, a coisa não fica muito menos sofrida. Apresar de
também usar, na maior parte das vezes o troféu é a parte da relação que possui
um grau de auto cobrança muito maior por uma perfeição de si mesmo. O troféu
precisa ser o mais lindo, o mais bem sucedido, o mais rico, o mais bem relacionado.
É uma questão muito mais narcísica do que de posse. Apesar de ter uma
topografia de comportamento parecida, a função do comportamento é diferente. O
sujeito que usa precisa ter coisas para se afirmar, o troféu precisa ser coisas
para se sentir alguém. Repare que eu usei a palavra coisa em ambos os casos,
pois a relação é de objeto, não de pensamento, ou de sentimentos.
O troféu não precisa ser uma pessoa boa, nem precisa ter carisma, nem
quer se sentir bem ou amado por ser, mas sim por ter. Ter um corpo, ter amigos,
ter sucesso a qualquer custo e preço. O troféu não se importa se o corpo tem
saúde contanto que esteja esteticamente aprovado pelo grande público, surgem ai
os vigoréxicos, as anoréxicas, bulímicos etc. o troféu que ter fama, sem se
importar o que precisará fazer ou por cima de quem terá que passar para
conseguir isso e em todas as áreas da vida o sentido de ação será esse.
O sofrimento do troféu é constante, pois lá no fundo ele tem
consciência que a luta é diária, mas que a duração do brilho é passageiro. O
custo de se manter sempre no topo de todas as coisas é muito alto e desgastante
e mais cedo ou mais tarde esse sujeito adoece física e psicologicamente. É o
stress, a depressão, a síndrome do pânico que chega para tentar trazer este sujeito
para a realidade.
Mas o que fazer para evitar este tipo de situação?
É preciso ser mais honesto consigo mesmo e com as pessoas em volta. É
preciso que se crie uma consciência de que pessoas são pessoas e não objetos de
consumo, coisas que são úteis por um tempo e depois descartáveis. É preciso que
se crie uma cultura baseada do valor que as pessoas têm por serem quem são e
não pelo que elas possuem. É necessário e imprescindível que o sistema de
produção capitalista seja circunscrito apenas a economia e não a toda as
esferas de vida das pessoas.
Um bom começo é visitar em pensamento as relações que você possui hoje.
Quem são estas pessoas e porque motivo elas estão em suas vidas? Elas são uteis
ou são queridas? Um outro ponto é se perguntar quem você é. A resposta veio
fácil? Você gostou da resposta que teve? O que você gosta de ser é o que o
grupo social tirânico requisita de você? Ou você consegue ser feliz sem atender
a estas exigências?
Este é o começo, a depender de suas respostas pode ser necessário rever
vários dos seus princípios e conceitos de vida e buscar satisfação e
felicidades reais e duradouras e não apenas os tão aclamados 15 minutos de
fama.
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