quinta-feira, 31 de março de 2016

Questionamento sobre SER alguém.....



"Uri, escreve no blog sobre pessoas que tem dificuldade de se relacionar por nunca acharem que estão a altura das outras pessoas.”

Para responder essa pergunta a gente primeiro tem que saber o que é estar a altura? A altura de quê ou de quem?de onde vem essa padronização de estar ou não a altura?
Em nosso processo de socialização e de entrada no mundo vamos recebendo informações de nossos cuidadores (primeiro no núcleo familiar, depois na  comunidade locas, escola, TV etc.). Essas informações não são puramente objetivas elas contem um conteúdo valorativo que norteiará a nossa forma de ver o mundo. Por outro lado, a cada ação que implementamos no mundo recebemos desses cuidadores um afago, uma carinho e um reconhecimento positivo se a coisa estiver dentro dos padrões esperados ou pelo contrario somos repreendidos, desconsiderados e rejeitados o que nos faz diminuir ou mesmo extinguir determinados tipos de comportamentos. Esses primeiros momentos deixam marcas para toda a vida. É a matriz relacional que vai nós guiar nas interações com os outros.
Ora, os cuidadores estão imersos em uma cultura e eu também, logo, todos os padrões de beleza, ética, comportamento, pensamento, estética e tudo mais são determinados por essa mesma cultura. Mas ela (Dona Cultura) é muito tirânica. Ou é como ela quer ou não presta e daí vai se construindo um senso de identidade consistente que pode ser positiva, se eu me encontro dentro dos padrões ou se eu consigo exercer de algum modo um contra-controle. Ou negativa se eu não me enquadro nos padrões e não consigo escapar dos ditames.
Quando vamos crescendo, isso que foi antes imposto, depois de se sedimentar em nossas mentes, soa como se fosse nosso. É um senso de personalidade, de entendimento sobre o si-mesmo. E nesse momento eu parto para o mundo esperando ser bem acolhido ou não. A dificuldade de se relacionar por se achar menos vem daí. Eu sou menos, eu não tenho valor, eu não sou bonito etc porque o grupo ditou regras nas quais eu não consigo me incluir. Seja por uma desvalia monetária, de classe social, de comportamento de subgrupo ou mesmo de DNA, isso mesmo, sentimento de ser menos por ser negro, por ser ruivo, por ter sardas, por ter determinado tipo de cabelo ou forma corporal menos valorizada.
Constantemente somos bombardeados pelo ideal de eu capitalista ocidental. O bem sucedido na carreira, nos esportes, intelectualmente interessante, bonito, corpo sarado, dentro dos estereótipos de gênero (os machos alpha e as reprodutoras perfeitas). Se eu não vou conseguindo me encaixar nessas categorias eu vou me colocando a margem, saindo para longe dos holofotes da existência e sub-existindo dentro da sociedade.
Sonhos, teremos sempre, de ser mais forte, de ter uma pele melhor, de ter amigos interessantes, de fazer parte de um grupo seleto que é desejado, de ter sermos lindos e ricos. Sonhos, teremos sempre, mas no mais das vezes fica por isso mesmo. No sonho. E o pior,o senso de ser menos é tão grande, que se passa a não mais acreditar nas exceções a regra. Mesmo que surjam oportunidades de se alcançar o objetivo sonhado se pensa: não está certo, eu não mereço isso. É demais para mim, não posso nem acreditar. Tem alguma coisa errada, esmola demais o santo desconfia. Vai dar tudo errado, não sei pra que arriscar, quando ela(e) descobrir como eu sou não vai nem mais olhar em minha cara.
Nesse ponto, as crenças pessoais de desamor, desvalor e desamparo dominam o homem de uma forma que ele cria sua própria tragédia. Cria não, repete a tragédia que lhe foi contada um dia...
O que fazer com isso? Se entregar... sim, se entregar a sis mesmo. Reconhecer que no  fim a vida terminamos no mesmo lugar: num leito de morte. Que se a grama do vizinho parece ser mais verde será que ela não é artificial? De perto todos temos problemas e frustrações, medos, tristezas e dissabores. Os véus da ilusão devem ser dissipados, e o individuo deve saber reconhecer o seu papel no mundo e as suas capacidades. Não somos todos diferentes por acidente natural não. Somos todos diferentes, pois temos habilidades especiais que em conjunto dão a espécie humana a capacidade de continuar se desenvolvendo e existindo.
O que fazer com isso? Buscar melhorar como pessoa, buscar os verdadeiros prazeres e as verdadeiras satisfações e não o que foi imposto.
O que fazer? Se olhar no espelho e se amar, se cuidar e ter certeza que ali adiante, quando existir amor próprio, conseguiremos com certeza o amor do outro!!
Boa semana a todos!

quinta-feira, 24 de março de 2016

Questionamento antigo, mas sempre atual sobre sexualidade....



            Querido Uri,

Estou com um problema. Meu namorado é muito arcaico, assim, ele era hétero até os 22 anos, teve namorada a vida toda. Hoje ele tem 25, tem dois anos que a gente namora, mas pra mim esta sendo muito difícil. Eu amo ele muito, mas sempre tenho a impressão que ele me considera uma bichinha qualquer. Reclama de meu gosto musical, não suporta lugares  gays , não gosta de meus amigos, fica dizendo que eles são umas putas. Não quero terminar, o que fazer?
Anônimo 357.

Anônimo queridão,

Um problema e tanto que você tem nas mãos. Imagine que para um casal hétero já é difícil se manter junto e superar as diferenças culturais, familiares e toda uma existência, uma bagagem de vida que eles trazem para a relação quando começam a namorar. No seu caso a diferença ainda tem que passar pelo viés do preconceito sexual internalizado. Que bicho é esse? Adriana Nunan, doutora em psicologia (http://www.adriananunan.com/), e autora do livro Homossexualidade: do preconceito as relações de consumo, vem nos dizer resumidamente que uma vez que nascemos e somos socializados por um viés heteronormativo, mesmo que tenhamos uma orientação sexual diversa da hétero ainda assim seremos preconceituosos, inclusive com relação a própria sexualidade. Em termos leigos é a expressão da não aceitação da própria sexualidade. No Brasil isso é claro. Os seguimentos LGBT não se unem. Em outro texto eu falei sobre isso. Os grupos que se excluem. Os cross-dressers que não aceitam os travestis, os gays que não aceitam as lesbicas, etc. Na periferia das grandes cidades é fácil encontrar garotos que fazem sexo com outros homens e que se intitulam heterossexuais por adotarem a posição ativa na relação sexual. Estes são alguns exemplos do preconceito sexual internalizado. Seu namorado, infelizmente, tem um grau acentuado desse tipo de preconceito. Muito provavelmente em virtude de ter experienciado a maior parte da vida dele como hétero. E Le foi formatado para criticar as posturas mais femininas, treinado a considerar qualquer gay como promiscuo, a não gostar dos ambientes GLS etc.
Por outro lado, isso deve causar grande sofrimento para ele também. Não se aceitar, não ter um sentimento de pertencimento grupal é muito ruim para a subjetividade e para saúde psíquica de uma pessoa, afinal ele foi treinado para achar errado, feio, sujo, uma abominação (a depender da orientação religiosa dele) tudo aquilo que ele tem vivenciado com vc. É o fato de amar outro homem, de sentir desejo pelo corpo de outro homem que se mistura com os preconceitos dele e uma grande luta interna se trava todos os dias. Como a cabeça da gente é muito esperta, ela usa um mecanismo chamado identificação projetiva, ou seja, eu critico no outro as coisas que são minhas e que eu não consigo entrar em contato por serem dolorosas demais. Na verdade, toda vez que seu namorado tece uma critica contra você, a seus amigos ou ainda ao meio gay, é uma critica a ele mesmo que ele faz, sem ter consciência real disso.
O que de fato ele precisa é fazer as pazes com ele mesmo. Sugiro a procura de um psicólogo, de preferência alguém com experiência em sexualidade. Caso seja difícil encontrar no lugar onde você mora vocês podem procurar o conselho regional de psicologia e pedir uma indicação. Na terapia ele vai poder se conhecer melhor e se aceitar, o que vai trazer mais felicidade para ele e mais saúde para a relação de vocês. Mas saiba desde o começo que não é de uma hora para outra que as coisas vão se resolver, vai precisar de boa vontade e empenho dele, mas tenho certeza que em nome da relação ele pode fazer isso. Converse com ele com calma, sem acusações, diga como você se sente, evite dizer: você faz isso ou aquilo. Comece suas frases sempre dizendo eu me sinto de tal forma quando uma situação X acontece. Ele vai ser mais receptivo a te ouvir e a conversa pode fluir com mais calma e coerência.
Basicamente é isso. Qualquer outra duvida a gente vai esclarecendo pelos comentários.
Abraço e  boa sorte!

sábado, 19 de março de 2016



Síndrome de troféu

Uma das maiores consequências da modernidade é a necessidade imposta pelo social e pela cultura de que as pessoas sejam sempre melhores, tenham um desempenho maior, mais sucesso, mais vigor, mais dinheiro, um corpo mais adequado, um emprego de verdade e por ai vai. As exigências são constantes e crescem exponencialmente à medida que algumas das metas são alcançadas e logo consideradas obsoletas.
Isso acontece, no mais das vezes, porque a cultura ocidental é muito ligada a seu sistema de produção, o Capitalismo. Materialmente falando a imposição do discurso capitalista é bem exemplificada nas relações de consumo de bens relacionados a tecnologia. De processadores de computador a telefones celulares, de carros a aparelhos de televisão o que é tido como natural normal é que assim que algo novo surja aquilo que eu tenho não serve mais. De seis em seis meses, de ano em ano todas as parafernálias tecnológicas, ainda que completamente úteis e funcionais devam ser trocadas por seus sucessores mais avançados. Se as pessoas não tem o mais novo, o dito “melhor” é quase que o mesmo que não possuir nenhum produto ou poder de consumo.
A síndrome de troféu acontece quando se faz uma transposição do objeto de consumo para um sujeito, um ser humano. De um lado o consumidor de outro ser humano tem a necessidade de fazer constantes upgrades para não ficar desatualizado. Surgem o que o Bauman vai chamar de relacionamentos líquidos, que são marcados pela falta real de vinculo com a subjetividade, com os sentimentos e vai se ligar pela estética, pelo estatus, pelo poder. É a plena objetificação da pessoa com quem se relaciona. Se hoje o namorado é malhado, barriga de tanquinho, bonitinho, simpático, basta que alguém um pouco mais sarado, com uma barriga com um pouco menos de percentual de gordura, com mais simpatia e influência no grupo apareça para que este namorado seja facilmente trocado.
A consequência para esta parte da relação, o sujeito que usa, é uma eterna busca pela perfeição do outro. Uma tirania de insatisfação e uma  auto cobrança imensa para poder se provar possuidor do melhor. Não se enganem achando que estou falando de coisas que não existem, já tive casos clínicos deste tipo. É uma insatisfação constante com o namorado, com o emprego, com a família, com os amigos, com o próprio corpo, com a casa em que mora e por ai vai. Por outro lado, as relações sociais desta pessoa ficam enfraquecidas. Por mais que ele brilhe num primeiro momento, aos poucos as pessoas que o cercam percebem o quanto de superficialidade esta pessoa tem, o quão raso são seus sentimentos, suas expressões reais de afeto e fica marcante a possibilidade que existem destas pessoas do entorno serem trocadas a qualquer momento por algo “ melhor” que apareça.
Para o sujeito usado, a coisa não fica muito menos sofrida. Apresar de também usar, na maior parte das vezes o troféu é a parte da relação que possui um grau de auto cobrança muito maior por uma perfeição de si mesmo. O troféu precisa ser o mais lindo, o mais bem sucedido, o mais rico, o mais bem relacionado. É uma questão muito mais narcísica do que de posse. Apesar de ter uma topografia de comportamento parecida, a função do comportamento é diferente. O sujeito que usa precisa ter coisas para se afirmar, o troféu precisa ser coisas para se sentir alguém. Repare que eu usei a palavra coisa em ambos os casos, pois a relação é de objeto, não de pensamento, ou de sentimentos.
O troféu não precisa ser uma pessoa boa, nem precisa ter carisma, nem quer se sentir bem ou amado por ser, mas sim por ter. Ter um corpo, ter amigos, ter sucesso a qualquer custo e preço. O troféu não se importa se o corpo tem saúde contanto que esteja esteticamente aprovado pelo grande público, surgem ai os vigoréxicos, as anoréxicas, bulímicos etc. o troféu que ter fama, sem se importar o que precisará fazer ou por cima de quem terá que passar para conseguir isso e em todas as áreas da vida o sentido de ação será esse.
O sofrimento do troféu é constante, pois lá no fundo ele tem consciência que a luta é diária, mas que a duração do brilho é passageiro. O custo de se manter sempre no topo de todas as coisas é muito alto e desgastante e mais cedo ou mais tarde esse sujeito adoece física e psicologicamente. É o stress, a depressão, a síndrome do pânico que chega para tentar trazer este sujeito para a realidade.
Mas o que fazer para evitar este tipo de situação?
É preciso ser mais honesto consigo mesmo e com as pessoas em volta. É preciso que se crie uma consciência de que pessoas são pessoas e não objetos de consumo, coisas que são úteis por um tempo e depois descartáveis. É preciso que se crie uma cultura baseada do valor que as pessoas têm por serem quem são e não pelo que elas possuem. É necessário e imprescindível que o sistema de produção capitalista seja circunscrito apenas a economia e não a toda as esferas de vida das pessoas.
Um bom começo é visitar em pensamento as relações que você possui hoje. Quem são estas pessoas e porque motivo elas estão em suas vidas? Elas são uteis ou são queridas? Um outro ponto é se perguntar quem você é. A resposta veio fácil? Você gostou da resposta que teve? O que você gosta de ser é o que o grupo social tirânico requisita de você? Ou você consegue ser feliz sem atender a estas exigências?
Este é o começo, a depender de suas respostas pode ser necessário rever vários dos seus princípios e conceitos de vida e buscar satisfação e felicidades reais e duradouras e não apenas os tão aclamados 15 minutos de fama.